Como uma contadora de histórias ou uma escritora de romances, Maria Fernanda Lucena nos leva em suas pinturas a um outro tempo. Não se trata exatamente do passado, muito menos de um período específico da História.
São camadas de tempo, nas quais memórias de muitas décadas atrás convivem com o que foi visto há poucos minutos, nos transportando, assim, para um lugar sem nome: o lugar da ficção.

Em sua nova série, "Matinhos", a artista parte de fotografias analógicas de plantas ou ervas daninhas que nascem em meio ao concreto das grandes cidades. São fotografias produzidas por Lucena, fruto de seus encontros ao acaso com essas pequenas erupções no solo e de seu olhar treinadíssimo para entrever paisagens pictóricas no mundo ao seu redor.

A partir de tais imagens, a artista parte para o embate com a tela, misturando – como recorrente em sua obra – a pueril paisagem com outras de fotografias apropriadas. Desse cruzamento e da fusão entre vivências próprias e alheias, nasce uma terceira paisagem que parece narrar pequenas histórias, essas com h minúsculo, banais e corriqueiras, que são facilmente identificáveis por todos nós que já fomos crianças e que costumam perdurar nas memórias dos adultos como brumas.

Por meio das composições, Lucena coloca os pequenos matinhos em primeiro plano, retirando-os de seu trivial lugar de origem e conferindo-lhes escala e importância. As plantas, ora queimadas pelo sol, ora com pequenos pedaços carcomidos por pragas, confirmam as condições adversas às quais resistiram e apontam para a contradição que carregam: sua vulnerabilidade e vigor. Essa contradição é a mesma que vislumbramos em tantas outras pinturas de Maria Fernanda Lucena, assim, a artista parece querer apontar para a transitoriedade da memória e, em última instância, de tudo que é vivo.